SÓTÃO PORÃO


Vontade de beijo na boca
Vontade de dançar
Que tudo se ajeite na boa
Dois pra lá, dois pra cá

Vontade de ouvir um blues
Vontade de me jogar
Que tudo se transforme em luz
Invada todo o lugar

Como se fosse semente
Pra germinar e morrer
É como a gente se sente
Como querer e não ter

Vontade de me aprumar
De ler, depois esquecer
Sem medo de te encarar
Virar pedra pra então derreter

No meio da Terra
Lava
No meio da multidão
No seio da mulher amada
No amargo de outra nova paixão

No centro da mola, vida
No canto da solidão
Em cada esquina perdida
Em cada sotão, porão

Vontade de ser precipício
Vontade de tudo mudar
O meio, o fim e o início
A lágrima ao olho voltar

Vontade de ser mais
Vontade de te ligar
A curva que o vento hoje faz
Amanhã pode mudar

Como se fosse possível
Ignorar os sinais
De um outro mundo invisível
E o que tem lá tanto faz

Vontade de me entregar
fazer, depois merecer
Sem medo de te encarar
Virar pedra pra então derreter


Mulher dos curtos cabelos

Guardas minha oração mais preciosa
Meus sonhos mais inquietos
As caladas manhãs de hálito adormecido.

Ainda há certo furor em meu peito
Quando da vontade de acertar surpresas
Na voracidade de inconstantes paixões.

E quanto tempo para encontrar um beijo
Que arrebata o espírito em meio às tempestades d’alma.

Só tu, apenas,
É capaz de me tirar a visão tacanha e amedrontada das esquinas
A falsa ideia de que o mundo é fosco
E infeliz.

Tu,
De curtos cabelos e  molhadas galochas
De escandalosa gargalhada
De amor profundo e corpo branco.

Sei
Merecer-te é obra inacabável
Cada dia construir pontes que te alcancem.

Amo-te
Nada no caminho é fatal
Quando posso lhe contar o dia.

Da Existência

Voas em aço
E o que encontras?
Uma ferida aberta na saudade
Um beijo rápido de adeus
A cólera dividida entre o amor e a realidade.

E na imensidão que invades
Divides olhares com a solidão dos pássaros, aqueles que voam.
E numa outra ideia de cidade
Algo a doar
A cada ser vivo que ultrapassa.

Na viagem da luz
As formas, relativas,
Emprestam à gravidade a capacidade da beleza
Aquilo que buscamos.

Cada coisa ocupa espaço
E cada espaço tem sua própria luz
Ou sua ausência.

Então, diriges ao raiar do sol
Onde encontras nada mais
Que horizontes infinitos
Inseridos na sagrada esfera.

Aquilo que habitamos.