Inteiro e novo: parece que cheguei atrasado


Minha cidade
São trastes dilacerados e
Cérebros esgotados em nome do novo que
Pinta o passado, novo abstrato,
Inaceitável no que tange às estruturas ligeiramente internas.

Cru, minhas águas se fundem em qualquer oceano.

Nu
Forma que nunca fui
Estranha aos meus.
E os meus,
Que um dia procuraram
Rejeitam
Marcas adquiridas nos nomes
Em busca de um mero talvez.

Existe diferença fundamental
Nos mares que hoje percorro.

Será o meu lugar no porto seguro
Das mesmices?

Serão minhas partes
Continente?  Ou conteúdos?

Cercando lágrimas dos que tentaram,
Venderam suas almas em nome de vil
Maldade
- (Péssima ideia), diga-se de passagem-
De asqueroso metal.

De manhã
Faz sentido não
Pertencer à esperança
Que ficou:
O tal pássaro azul de Charlie Bukowisck
O impessoal de Pessoa
A inocência mentirosa e deslavada de Drummond.

Tudo o que vejo são
Razões para sorrir na eternidade
Do momento em questão
E na página carimbo com nome
E reconhecida  firma.

Da pobre poesia ficam as palavras 
Parecem não se importar
Com a calada
Manhã provocante.

Oh, deuses!
Suas ladeiras me jogaram ao ódio de esquecimento
Lavado em mármore mal quebrado
completando tal quintal recolhido.

Quem dera ver saído o passado?
Quem dera ter a licença na culpa transgredida?

Teu nome assusta
E já não converso contigo.
Por que me abandonaste?
Por que me deixaste ver verdades
Ciências de pressupostos na religião disfarçados.

Sim, sim...
Decepcionado
Não tenho direito
Às miraculosas faces de suas mentiras.

Vida, mais
Que cacos prensados
São restos de poeira
Que por aqui passaram
em tempo
em luz.
Em tudo o que me coube fui inteiro.

Cascas


A lucidez da solidão
das mães, dos porcos.

O silêncio dos rios que transbordam
sem avisos.

E máquinas operantes
levantando cinzentos gigantes
adormecidos
na cidade.

Anseios, e
incertezas lancinantes
trazendo  à memória imagens da minha
esquecida infância: cabelos de minha mãe
mãos de meu pai
entrega de minha irmã
conversa com deus.

Ah rebeldia, esqueci-me de tudo e todos.
Feito os passos
para o paraíso
onde não há lugar
para canções divinas.

Agora
apenas grafite, caneta , poesia,
anseios, e
incertezas dilacerantes.

Sinto muito não
mais poder
falar com deus.

É que se vê com clareza              
misérias que carrego.
Espinhos prontos
ferem
fora, e dentro, fora e dentro
-além dos corpos.

Vê-se com fineza o escopo
mal acabado
de dar dó.

Amontoado de
cascas prontas
e expostas à degustação.

Usadas cascas
recobrindo minha perversa nudez:
insensatez da vida.

Meus amigos, quem são?
Os que pensara eu
Serem irmãos e irmãs
Passam feito uma manhã de sábado.

Sei de mim, dos que sinto falta
Dos que não me fazem tanta assim
Dos falsos amigos, olhos dissimulados.
Eu sei que eles existem
E estiveram
E estão por perto.

E o amor, então?
O amor floresce em cada lugar!
Inacreditável...

O DIA SEGUINTE


Quando a noite cair
Aviste uma estrela a brilhar pela nossa alegria
Um rabisco no céu que tem o tamanho de um momento
E a eternidade de um pensamento
Uma reação química nos leva a outros instantes

E quando peco pela falta de silêncio
Retraio-me em delírios dilacerantes
Nas palavras e sons que não quero ouvir.

Não quero meus versos
Minhas verdades
(Ou vaidades)
Tão nuas frente ao desespero em que me encontro
E me deixo cair numa maré de medos
De lágrimas que não existem no meu rosto
Mas as sinto escorrer pelo lado de dentro
A pele do avesso
Sistema aquoso de mucosas

Vão lavando minhas sombras que insisto em não abraçar

Despedida


Hoje o choro não é dor de saudade
Nem de osso quebrando
ou de um parente perdido.
Hoje o que choro é dor de não saber perdoar.
De guardar o rancor
Encerrado nos dentes
No olhar ferido
Na boca selada
Na mão que não se entrega.
Nos braços cruzados que te esperam partir.

A dor de me saber errada, lá no fundo,
Ao entregá-lo ao mundo.
Imaginar sua voz em outros ouvidos
E sentir seu coração longe do meu.
E se provar desse gosto amargo hoje me é indispensável
Espero que saibas que levo em meu peito um carinho
De momentos felizes guardados
Nas risadas abertas
E nas camas desmanchadas que levaram o nosso suor.

Que esse sorriso e calma transborde em outros corações
E que sua felicidade invada um mundo que ainda não te conhece!

Amo-te,
Mas deixo-te.
Adeus.

SÓTÃO PORÃO


Vontade de beijo na boca
Vontade de dançar
Que tudo se ajeite na boa
Dois pra lá, dois pra cá

Vontade de ouvir um blues
Vontade de me jogar
Que tudo se transforme em luz
Invada todo o lugar

Como se fosse semente
Pra germinar e morrer
É como a gente se sente
Como querer e não ter

Vontade de me aprumar
De ler, depois esquecer
Sem medo de te encarar
Virar pedra pra então derreter

No meio da Terra
Lava
No meio da multidão
No seio da mulher amada
No amargo de outra nova paixão

No centro da mola, vida
No canto da solidão
Em cada esquina perdida
Em cada sotão, porão

Vontade de ser precipício
Vontade de tudo mudar
O meio, o fim e o início
A lágrima ao olho voltar

Vontade de ser mais
Vontade de te ligar
A curva que o vento hoje faz
Amanhã pode mudar

Como se fosse possível
Ignorar os sinais
De um outro mundo invisível
E o que tem lá tanto faz

Vontade de me entregar
fazer, depois merecer
Sem medo de te encarar
Virar pedra pra então derreter


Mulher dos curtos cabelos

Guardas minha oração mais preciosa
Meus sonhos mais inquietos
As caladas manhãs de hálito adormecido.

Ainda há certo furor em meu peito
Quando da vontade de acertar surpresas
Na voracidade de inconstantes paixões.

E quanto tempo para encontrar um beijo
Que arrebata o espírito em meio às tempestades d’alma.

Só tu, apenas,
É capaz de me tirar a visão tacanha e amedrontada das esquinas
A falsa ideia de que o mundo é fosco
E infeliz.

Tu,
De curtos cabelos e  molhadas galochas
De escandalosa gargalhada
De amor profundo e corpo branco.

Sei
Merecer-te é obra inacabável
Cada dia construir pontes que te alcancem.

Amo-te
Nada no caminho é fatal
Quando posso lhe contar o dia.